Até ver nenhuma revolução, que tenha tido como proposta uma verdadeira transformação social, conduziu as sociedades ao Paraíso. Não obstante as expectativas 'messiânicas' de um mundo novo, as ideiais promessas de uma melhor vida para os até então desfavorecidos, têm demonstrado ser impossibilidades históricas (pelo menos a curto ou a médio prazo). No final das contas podem resultar sentimentos de frustração que colocam em causa o propósito da mudança.
No entanto, o próprio evoluir das sociedades, as quais integram em si elementos contraditórios (abstracta e hegelianamente falando, teses e antíteses que produzem sínteses), admite a inevitabilidade das convulsões ou revoluções sociais, face a um mal estar sentido.
As forças dominantes (ou conservadoras) desfavoráveis à mudança em confronto com as forças progressistas (ou mais liberais) lutam pelo monopólio do poder e influência, baseadas em ideologias divergentes. Por conseguinte, não é fácil aceitar uma revolução na medida em que desencadeia rupturas com o status quo e com os interesses dominantes. Acompanhada por uma atmosfera de exaltação de valores e de esperança, a revolução pode ser violenta e, naturalmente extremada (senão não seria revolução).
Apesar da ocorrência de 4 mortes, a revolução dos cravos foi pacífica, mas não esteve isenta de excessos em nome de uma sociedade mais igualitária ( por exemplo a expropriação de bens junto das familias favorecidas na altura). Contudo, nada comparável aos excessos do Estado Novo...
No pós-revolução seguem-se tempos de 'desfervescência da revolução aberta', movimentos de contra-revolução, resultando em novos e velhos elementos sociais. Se nos reportarmos à revolução de abril, esses tempos seriam talvez o ‘período das escolhas da via a seguir’, no qual a revolução sai das ruas para dar lugar a uma reorganização do Estado e da sociedade portuguesa, numa encruzilhada entre a via do capitalismo e a via do socialismo. O caminho foi a democracia capitalista.
Nas circunstâncias que anteciparam a revolução dos cravos, as forças liberais perspectivavam uma sociedade mais à frente, mais evoluída nos valores sociais, mais integradora e justa para cada individuo independentemente da sua condição social. Uma sociedade que rompiria com 48 anos de ditadura repressiva, que perseguia e 'calava' vozes discordantes, pela policia do Estado Novo - a PIDE .
Gerações de portugueses resistentes, esclarecidos e geniais (a meu ver) contribuiram para o alargamento da consciência social, intervindo ‘em sussurros’ que escapavam à Censura (através por exemplo, da poesia ou música de intervenção ou pela acção política clandestina).
A par de uma consciência política cada vez mais alargada, a acção dos militares foi determinante na condução da revolução de Abril.
De acordo com António Reis, (militar de Abril) 3 razões fundamentais foram o mobil da revolução de 25 de Abril de 1974, conduzida pelos militares, com a importância da ordem apresentada: 1ª fim da guerra colonial; 2ª melhoria das condições socio-económicas da população portuguesa ; 3ª mudança de um regime ditatorial para uma democracia.
Esta última razão, talvez a que mais nos lembra e pela qual se comemora a revolução há 33 anos, era na altura a que menos mobilizaria os militares, tínhamos uma sociedade pouco politizada, na verdade, éramos um povo ignorante. Como tal, a democracia era, portanto, ideia vaga e abstracta.
Ao contrário, a guerra colonial afectava muitas famílias portuguesas, o 'medo e a loucura da guerra', vidas estragadas ou perdidas, era guerra sem sentido contra povos que apenas lutavam pela sua independência.
Por último, a miséria vivida, na altura, nada tem a ver com a pobreza ou as crises de agora. Apesar dos actuais problemas de desemprego e do nível de vida português ser dos mais baixos da Europa, testemunhos relatam que, naquele tempo, a privação era tal que uma sardinha alimentava os vários elementos de uma familia. A tal miséria, também não seria alheia ao facto de nos anos 60 muitos portugueses terem emigrado em condições de clandestinidade, sujeitando-se a trabalhos e modos de vida precários em países desconhecidos.
Onde estão os frutos da revolução?
A nossa sociedade evoluiu muito, desde então, as necessidades mudaram. Exageros à parte, carros e tecnologias topo de gama, ou a ostentação são valores muito altos. E as reclamações do género 'no tempo de salazar é que era bom' convivem bem com o consumismo português além das possibilidades. Os portugueses vivem endividados, recorrem a mil créditos para 'terem' aquele carro, aquela casa, aquele plasma, aquela coisa que tem que se ter, porque senão não são gente.
Fenómeno um pouco contraditório com o sentimento de crise que põe em causa as aquisições sociais que hoje existem porque a revolução e as liberdades conquistadas assim o permitiram.
Hoje temos mais escolarização e informação, melhor saúde apesar de tudo, a possibilidade de conhecer outros mundos, outras realidades, os pais têm mais possibilidades de pôr os filhos a estudar ao invés de os pôr a trabalhar, podendo, inclusive, prolongar esses estudos ou continuar a ajudá-los quando estes supostamente já atingiram a vida adulta.
A ignorância da altura conduzia ao conformismo, ao fechamento. A realidade mais distante para um português comum era a sua aldeola pacata e domesticada pelos valores do Estado Novo ou da Igreja Católica e pelos seus meios de propaganda.
A nossa revolução, a de Abril de 74, trouxe-nos liberdade, democracia, valores inspirados do socialismo, que graças aos quais ainda vamos tendo algumas regalias sociais. Além disso, trouxe-nos, uma coisa demasiado importante para ser apagada da memória, a 'educação para todos'. O atraso educativo de 20 ou 30 anos do nosso país só pode dar graças a um regime que apenas dava oportunidades de formação a elites, permanecendo a generalidade da população analfabeta ou com mínimo de escolarização.
A direcção podia ter sido outra (a do socialismo, porventura estariamos também económicamente afundados como os países da ex-URSS). Hoje integrados num sistema capitalista global, na tentativa que acompanhar o barco da Europa, ainda estamos longe do bem-estar pleno.
Mas a revolução era inevitável. A sociedade portuguesa já continha em si 'elementos-antitese', incapazes de lidar com as condições sociais objectivas daquele tempo, cresciam muitas contrariedades, na forma de sentir, sobretudo, dos militares que íam para o Ultramar, sem que o combate tivesse para eles algum significado, apenas mortes.
Não estamos bem é certo, mas cada um de nós é responsável pelo estado de coisas actual. Os políticos e nós, que os elegemos e temos a inteligência para modificar alguma coisa no nosso dia-a-dia e não o fazemos. Depois a culpa é sempre dos políticos, 'essa cambada', - pode ser, mas antes de apontar os outros e arranjar bodes expiatórios para crise actual, sob frágeis ou nenhums argumentos, sejamos mais exigentes connosco próprios.
(imagem 'cybercravo' in www.factosonline.com)
1.5.07
lições de abril
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